Fonte Amazônia Real
Conhecida por ser uma cidade turística e pacata, Conceição do Araguaia, com cerca de 45 mil habitantes e localizada na região sul do Pará, passa por uma rápida transformação desde 2022, com a liberação da instalação da empresa Horizonte Minerals. O município, que faz divisa com o estado de Tocantins e completou 126 anos em abril deste ano, possui em seu subsolo um metal bastante cobiçado internacionalmente, o níquel, fato que atraiu a empresa de origem britânica e canadense.
Segundo moradores que preferem o anonimato, desde que a mineradora chegou ocorreu um aumento significativo do tráfego de veículos na cidade. Essa movimentação provoca nuvens de poeira que invadem as casas, causam sujeira e afetam a saúde da população.
“A tosse e os problemas respiratórios têm sido constatados nos moradores daqui e isso é lamentável, pois o bairro tem um número considerável de crianças”, disse uma mãe e dona de casa do bairro Jardim Araguaia, que fica às margens da rodovia PA 449 e é um dos mais afetados. A mulher só aceitou falar com a Amazônia Real em condição de anonimato. Segundo ela, cerca de 80% do fluxo de carros são da empresa.
A dona de casa vive há dez anos no bairro e, de acordo com ela, é a primeira vez que o estado gripal dos moradores é frequente. “A tosse incomoda muito e a preocupação é que possa se agravar para alguma doença como pneumonia é muito grande”, afirma. “Graças a Deus eu tenho como levar os meus filhos para a escola, mas tem crianças que utilizam a PA 449 para estudar e são diretamente afetadas, pois chegam sujas na escola”.
Há preocupação também com a umectação, solução apresentada para minimizar o problema da poeira. “Isso ocorreu como combinado somente na primeira semana. Eles vinham um pouco antes da volta dos funcionários e molhavam a rua. Agora, vêm um dia sim, outro talvez, alegando a quebra de algum equipamento ou em horários fora do combinado, o que não ajuda em nada os moradores, pois a poeira dos ônibus e das caminhonetes da empresa tem sempre o horário marcado para acontecer, que é a ida e vinda dos funcionários”, relata a moradora.
Outra questão está relacionada à origem da água. “De onde está vindo essa água? Será que vão querer devastar também nossos rios e córregos? Essa umectação serviria apenas para amenizar a nossa situação, mas o que realmente queremos é a solução concreta que é o asfalto”, pede a moradora.
Uma das reivindicações é a pavimentação do trecho da rodovia PA 449 que dá acesso ao local de exploração mineral. Além do Jardim Araguaia, moradores de outros vilarejos que estão no percurso sofrem com o problema.
Há ainda o temor de acidentes na rodovia, por causa da baixa visibilidade provocada pela poeira, o que dificulta a locomoção dos moradores. “A gente tem medo de falar, de dizer os nossos nomes, por ter muita política envolvida”, afirmou outra vítima da situação no município.
A aplicação de recursos de 633 milhões de dólares da Horizonte Minerals para a construção do Projeto Araguaia é considerado o maior investimento em níquel do país. Segunda a empresa, o Araguaia é um projeto de mineração classe 1, com um recurso escalável de alto teor, localizado em área que possui infraestrutura desenvolvida, o que inclui estradas, ferrovias e energia hidrelétrica.
Foi criado para ter a capacidade dobrada, com duração de 28 anos, podendo ser prorrogado. A previsão para o término das obras é fim deste ano. Em maio de 2022, a empresa promoveu um grande evento em Conceição do Araguaia, com a presença do CEO Jeremy Martin. A expectativa é que sejam produzidas 14.500 toneladas de níquel por ano, apenas na primeira etapa.
Em entrevista à Amazônia Real, Sandoval dos Santos Amparo, professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa), doutor em Geografia e conselheiro municipal de Meio Ambiente de Conceição do Araguaia, afirma que a descoberta do níquel de alta qualidade no município remonta ao ano de 2013.
“Sendo o níquel um mineral estratégico para a transição energética, o controle de suas reservas assume um papel bastante relevante no que diz respeito ao cenário geopolítico internacional, mobilizando com bastante facilidade, em função do seu absurdo poder econômico e de investimentos, os espectros político local e regional das regiões de extração mineral, em sua maioria marcados por fortes desigualdades econômica e social”, afirma.
Ele destaca que é fraca ou nula a participação popular nas decisões que dizem respeito ao futuro das comunidades afetadas pela exploração do metal. É ressalta o contexto do mundo em crise desde a pandemia da Covid-19, com cada vez mais elevados índices de temperatura e a Guerra da Ucrânia, fatores que agravam a disputa por minérios em todo o mundo.
“E, ao que parece, quanto mais valiosos ou estratégicos são os minérios, mais graves tendem a ser os conflitos. E assim podemos avaliar o genocídio do povo Yanomami, no Brasil, durante o governo Bolsonaro, que franqueando a Terra Indígena na qual vive este povo para ações ilíciitas de toda sorte, tendo no garimpo de ouro sua base, inseriu-a em perigosos e violentos esquemas de degradação humana, provavelmente ligados ao narcotráfico internacional”, analisa.